“…esse outro que me invade é todo feito de minha substância: suas cores, sua dor, seu mundo, precisamente enquanto seus, como os conceberia eu senão a partir das cores que vejo, das dores que tive, do mundo em que vivo?” (Maurice Merleau-Ponty – O visível e o invisível)
Toda vez que abro um dicionário ou um livro de filosofia para consultar alguma palavra ou conceito, logo sou acometido por uma sensação estranha de tarefa a ser cumprida. Pergunto-lhe, leitor: quem nunca saiu com a cabeça revirada ao se deparar com o significado de uma palavra desconhecida? O elemento detonador da reviravolta é justamente a tarefa que começa a germinar quando fecho o livro.Ora, então ler um dicionário ou a República de Platão é como ler um livro de “ordens”? Acreditamos que sim! Caro leitor, acompanhe-me neste raciocínio: Pensando na tarefa a ser cumprida, tenho me deparado muitas vezes com os temas competência emocional e atendimento humanizado nos hospitais. Bom, até aqui tudo bem? Propostas interessantes que rendem longas pesquisas. Mas, e a efetiva realização destas ideias? Seriam elas possíveis? Qual é nossa tarefa para conscientizar o profissional da saúde a refletir sobre o problema da humanização? Vamos por partes! Retornemos à frase que abre o texto e vamos resgatar dela a tal “tarefa”.
Quando o filósofo fala de um “outro” que me invade e é feito da mesma substância, preciso reconhecer esse Outro como alguém que sente, sofre e se alegra como eu. O mesmo sol que brilha para um paciente é o sol que brilha para um enfermeiro. Ora, mas que questão óbvia! Sim! Mas ela porta uma atividade, um exercício de humanização escondido pelo senso comum. Eu não posso infligir mal a alguém, sabendo que este alguém sente dores como eu. Dado o ponto de partida, podemos falar sobre humanização no atendimento hospitalar e competência emocional.
Segundo o jornalista e advogado Walter Medeiros (autor do livro “Onde está o atendimento?”),o atendimento ao usuário de um hospital está em todos os cantos: do porteiro ao diretor geral. Com a noção de um território delicado, elementos burocráticos e negligentes devem ser combatidos a todo momento pela equipe. Ainda nas palavras de Medeiros, resgatamos uma questão fundamental: a comunicação. Para a realização da fórmula (Competência Emocional + Qualidade no Atendimento = Qualidade de Vida) CE + QA = QV, existe um denominador que chamaremos aqui de “comunicação”.
Como afirmava Sigmund Freud, o elemento da cura está na comunicação. Este é o único veículo para conceber a alteridade. Sendo assim, a cura dos pacientes também depende do nível de comunicabilidade dos funcionários do hospital. No momento em que a visão de paciente como inimigo for eliminada, teremos pessoas abertas a sentir, com as outras, os momentos de dificuldades. A equipe de uma instituição hospitalar deve criar uma zona de sensação em que se coloquem no lugar dos pacientes e percebam que são feitos da mesma substância.
Por este raciocínio, entendo comunicação como ato ou efeito de estar no lugar do outro, de sentir as coisas por um outro ângulo, sentir junto. Um dos elementos da definição de Hospital Humanizado é a “Comunicação eficiente”.
Comunicação não é apenas a transmissão de uma ideia, ou emissão de sinais. Trata-se de uma atividade que envolve compromisso com o indivíduo como um todo. Um paciente não é alguém que está doente, mas um todo complexo que necessita sentir-se acolhido e seguro de que vencerá a angústia de “estar” doente.
Desta forma, dentro dos diversos tópicos propostos pelo hospital acima mencionado, encontramos também a proposta de Educação Continuada. Como o leitor percebeu no início do texto, o dicionário pode ser um livro de ações positivas em potência de realização. Retomando o verbete “educação”, temos: “Desenvolvimento das faculdades físicas, morais e intelectuais do ser humano”. Dadas as dificuldades enfrentadas por um projeto educacional da gestão sensível, acredito que o desenvolvimento da faculdade física - implícito na proposta de educação - é o reconhecimento do outro como alguém feito da mesma substância que eu.
A partir disto, os elementos morais e intelectuais vão ser aflorados pela competência emocional. Passo a agregar valor social ao indivíduo ao mesmo tempo agregando valores econômicos à instituição, desenvolvendo, por conseguinte, um bom trabalho.
O profissional da saúde estará consciente de lidar com um sujeito total e não com um doente, ou seja, um fragmento do todo. A competência emocional tem que tratar de pessoas, e não de patologias isoladas. Comunicação é justamente o ato de criar condições que extrapolem ações específicas da área. Já “humanização” é receber um paciente como Ser-humano, e não apenas como um problema a ser resolvido rapidamente em uma linha de produção burocrática. Por falar em tarefa, este texto sugere várias. Mãos à obra!
(por Minoru Ueda, publicado na Revista Hospitais Brasil, edição 39, outubro/2009)
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